quinta-feira, 20 de maio de 2010

os sobreviventes


- E o teatro! A gente ia montar o Hair...

terça-feira, 18 de maio de 2010

a teus pés


essas minhas mãos que não se adequam a luva nenhuma...

terça-feira, 11 de maio de 2010

argumento sobre a manhã

O mundo está muito gasto. É cedo,
Certamente me diriam: o café ainda entope
As artérias do ar do dia, misturando sua fumaça
Ao escasso oxigênio. É cedo.
Respiramos alvoradas através de janelas
Fechadas. Roubaram-nos da paisagem
Os excessos coloridos. Restaram contornos
E cinzas.

Para pagar as contas, o dinheiro,
Síntese de objetos. Não se compra
Mais feijão, mobília, gás, apartamento.
Atrás de espelhos, cofres dilatam-se
– contorcionistas gordas e ridículas.
Vomitariam sonhos? Telas de computadores?
Passagens para Paris? Já nem sequer vomitam.
Sangra-lhes o nariz.

Mas é cedo: por que tens pressa?
Por que não ficas por mais um instante?
É sufocante lá fora. Chaminés cospem resíduos
Da vida arrancada à força aos ossos arrebentados
Do ofício. É cedo.
Não deixes gatilhos sangrarem
Como faziam navalhas. A guerra
É silenciosa. Vitórias não nascem da guerra.

Os alardes dispararam, os alarmes quedaram
Tranqüilos. Os olhos ficaram fechados.
Ouvidos, ensurdecidos. Lírios, apenas,
Coabitam o paralítico corpo: co-lírios,
Pingando, nervosos, repetitivos, como se houvesse
Remédio. É cedo, tu não tens medo?

Notícias soletram o espetáculo,
Arrombando-nos a porta. Logo cedo
(eu sei que é cedo), vêm a morte,
O assassinato, as trombetas refulgentes
Do narcotráfico azul, contra as pungentes cores
Da aurora. Contemplarmos a pintura,
Enquanto Elza põe o café, é uma questão
De ordem. É uma tarefa. Debruço-me
Sobre os papéis, supondo realizar
A dramática leitura dos fascículos mais últimos
Da História de Nossa Arte.

Manhã: legado da noite redonda
– que artilharia te espera, montada sobre cavalos,
Pronta a já fuzilar-te?
Levaram-nos o fogo. Está escuro.
Faz frio, e contudo sabemos que raiou
O dia novo amanhecido.

O mundo está muito gasto, não vês
A resina de sua pele a desmanchar-se?
É preciso que nos venha um novo Dia.
Que o café brote da terra e se dissolva,
Isento de mais-valia, pelas bocas, nas gengivas,
E nos farte e nos impila a seguir cantarolando.
Preciso é que se coloque, amarrotados,
Tomos, contas, notas, fichas, os diários, as gazetas
Em valises de cadeado, e que se esqueça
O segredo para abri-las. Abrir apenas janelas
E os vidros de loção,
E os armários e as gavetas, e os botões
Dos sobretudos que apertavam nosso peito!

É tanto cal encobrindo a podridão,
Nos descampados do dia... Cavemos,
Ainda que nossas pás sugiram apenas cócegas
Diante de escavadeiras
Que o inimigo desembainha. Ao inimigo,
Quero-o morto. Tanto faz que seja
Rindo.

Multidões? Diluíram-se.
Ideais? Esconderam-se, difusos,
Sob a bruma traiçoeira de hoje-em-dia.
Amanhece, porém, e ainda está cedo.
Estou sozinho. Tu estás sozinho. Amanhecer
E estar sozinho, então, nos une,
A todos, no mesmo diagrama de fraqueza.

A nova luta não supõe delicadeza. Lutemos,
Pois, sob este toldo! Lutemos, pois sob este toldo
Encarcera-se a cidade, o mundo todo. Dia:
Toldo sob o qual vigora, ainda,
Um triste resquício de liberdade.

domingo, 9 de maio de 2010

chuvinha

Gotas de maio.
Co-lírios.

Mão-Dupla

Não chove? chove? não chove?
Enquanto decido as gotas na vidraça
Nunca me deixam dormir
Estilhaços no caminho
E caminhões vão carregados
De frutas brancas
De armas brancas
De pó branco

Desconstruir o que? Desassossego
E dor e dúvidas e sombras
Sobre o meu guarda-chuva de contas.

Já passa das oito
A rua deve estar deserta
Ou repleta? Enquanto decido as sombras
Acalmam meus pesadelos
E raramente deixam-me acordar.

Afinal de contas, chegamos
A um acordo ou ao fundo do poço?
Fomos tecidos pela seda
Do mesmo picumã. Estás desperta?
Dormindo? Eu nunca me decido.

Mas a estrela some e rompe a clara
Manhã, com a escura gema do sol claro.
Estou farto, é claro, mas é tempo
De deitar-me agora à cama (gostaria
Que estivesses do meu lado) e ser coberto
Pelo fino gradeado
Que beira a rua por onde transito
Muitas vezes imóvel, outras aflito
Onde faróis revelam e a fumaça oculta
A placa curta indicando
Que você não vá
(e eu gostaria que não fosses nunca)
Por essa via das dúvidas.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

fractal para CFA

Seria preciso que cada grão de terra do planeta e cada estrela azul do firmamento e cada coisa viva do oceano fosse um íntimo diário teu, onde guardasses com delicadeza e com selvageria, e - por que não? - com certa afetação, estrelas, terras, mares, firmamentos, oceanos e planetas, que, por sua vez, o guardariam, eles a ti, em linhas de um diário sideral, guardado, ele, por - acho que basta...

Basta dizer-te que eu te guardaria, se em mim houvesse grandeza bastante, junto ao batuque arfante do meu peito, ao lado de um meu músculo vital, onde eu pudesse acreditar que terra, mar, estrela, firmamento e vida pulsassem simlutâneos, sem coordenação - com aquela afetação e certa intimidade - no meu peito, no meu corpo, mas teu coração.

domingo, 20 de setembro de 2009

apontamentos sobre o discurso

1.
Disponho de palavras,
Nem tão vasto acervo.
Se me acerta um verso,
Componho um enlevo.
Se te agrada o inverso,
Termino o enredo.

2.
Reponho as palavras
Numa frase-frasco.
Se ferir o nexo,
O invólucro é fraco.
Se esfriar o fluido,
O conteúdo é lácteo.

3.
Gotejo o discurso,
Um líquido tenso.
Se quebra-se o fluxo,
Se perde o silêncio.
Se perde-se a fala,
Se ganha um momento.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

she has given her soul to the devil, but the devil gave his soul to god

Trata-se de uma certa dama
que acorda aflita pelo dia
observando da janela do seu
Disco-Voador
o cinza que se irradia
desde a música —
Romântica e Alemã
até a cor fria da Dor.
(Isabel Câmara)

o drama 3° ato é uma forma visceral de percebermos a existência de calor dentro de nós. a doce bárbara bethânia supera e definitivamente sublima as categorias de in e out, porque ela então já não é mais nada, já não se pode compará-la à nenhuma materialidade, já não se pode codificá-la com nenhuma palavra da lingua, com nenhum símbolo, com nenhuma subjetividade. nas profundezas do espírito, do éter, bethânia é grande demais, e não se sabe, e não se quer saber, se há de se rir, de se chorar, de se sentir saudade, de se desesperar. só se sente humanidade, desejo, arrepio (de pancada), pancada (de arrepio).

quarta-feira, 21 de maio de 2008

A minha irmã

Segura com força essa bandeira
Enquanto as horas selvagens se amontoam...
Eras jovem – lembras?
Hoje voas numa maturidade passageira.

Segura com força essa bandeira
Porque és, como ela, incomparável...
Segura com uma das mãos essa bandeira
Com a outra, a livre, segura a minha
E viajemos juntos pra Passárgada
Onde não há horas... Há uma estrela, somente,
Da vida inteira.

terça-feira, 8 de abril de 2008

espectro

Eu não sei de onde veio a minha mão.
Do futuro?
Do escuro?
A minha mão enrugada
– de onde suas marcas, senão do tempo?
Mas eu sou jovem ainda,
embora meu rosto,
transfigurado,
carregue marcas do passado.
De que tempo?
Será que vem do vento
esse dobrar da pele,
esse torcer o olho para enxergar?
De que espécie de espelho
nascem meus olhos,
estrábicos,
vermelhos?
De que inverso,
de que raiz do Universo?

Eu estou sozinho,
e de que ausência
brota a minha solidão?
Por qual caminho
foram-se meus amigos,
meus amores?
Que ilusão
teceu esse fantasma?

Eu não sei como contar a minha idade.
Se pela inevitável
fuga dos anos
ou pelas rugas.
Se por meus desenganos
ou pela mesma
dor irreparável de sempre.
Adeus aos anos,
sobretudo aos que não vivi,
adeus aos desencontros
do tempo.

Que minha vida, agora,
será uma eterna espera,
será um descaso de horas.
Adeus,
mãos envelhecidas
por não sei que mistério
fatídico do tempo,
que minha vida,
de hoje em diante,
nascerá da presença,
viverá no presente,
plenamente,
em flagrante.