Segura com força essa bandeira
Enquanto as horas selvagens se amontoam...
Eras jovem – lembras?
Hoje voas numa maturidade passageira.
Segura com força essa bandeira
Porque és, como ela, incomparável...
Segura com uma das mãos essa bandeira
Com a outra, a livre, segura a minha
E viajemos juntos pra Passárgada
Onde não há horas... Há uma estrela, somente,
Da vida inteira.
quarta-feira, 21 de maio de 2008
terça-feira, 8 de abril de 2008
espectro
Eu não sei de onde veio a minha mão.
Do futuro?
Do escuro?
A minha mão enrugada
– de onde suas marcas, senão do tempo?
Mas eu sou jovem ainda,
embora meu rosto,
transfigurado,
carregue marcas do passado.
De que tempo?
Será que vem do vento
esse dobrar da pele,
esse torcer o olho para enxergar?
De que espécie de espelho
nascem meus olhos,
estrábicos,
vermelhos?
De que inverso,
de que raiz do Universo?
Eu estou sozinho,
e de que ausência
brota a minha solidão?
Por qual caminho
foram-se meus amigos,
meus amores?
Que ilusão
teceu esse fantasma?
Eu não sei como contar a minha idade.
Se pela inevitável
fuga dos anos
ou pelas rugas.
Se por meus desenganos
ou pela mesma
dor irreparável de sempre.
Adeus aos anos,
sobretudo aos que não vivi,
adeus aos desencontros
do tempo.
Que minha vida, agora,
será uma eterna espera,
será um descaso de horas.
Adeus,
mãos envelhecidas
por não sei que mistério
fatídico do tempo,
que minha vida,
de hoje em diante,
nascerá da presença,
viverá no presente,
plenamente,
em flagrante.
Do futuro?
Do escuro?
A minha mão enrugada
– de onde suas marcas, senão do tempo?
Mas eu sou jovem ainda,
embora meu rosto,
transfigurado,
carregue marcas do passado.
De que tempo?
Será que vem do vento
esse dobrar da pele,
esse torcer o olho para enxergar?
De que espécie de espelho
nascem meus olhos,
estrábicos,
vermelhos?
De que inverso,
de que raiz do Universo?
Eu estou sozinho,
e de que ausência
brota a minha solidão?
Por qual caminho
foram-se meus amigos,
meus amores?
Que ilusão
teceu esse fantasma?
Eu não sei como contar a minha idade.
Se pela inevitável
fuga dos anos
ou pelas rugas.
Se por meus desenganos
ou pela mesma
dor irreparável de sempre.
Adeus aos anos,
sobretudo aos que não vivi,
adeus aos desencontros
do tempo.
Que minha vida, agora,
será uma eterna espera,
será um descaso de horas.
Adeus,
mãos envelhecidas
por não sei que mistério
fatídico do tempo,
que minha vida,
de hoje em diante,
nascerá da presença,
viverá no presente,
plenamente,
em flagrante.
terça-feira, 1 de abril de 2008
quarta-feira, 26 de março de 2008
esta nova poesia
Predestino-me, incerto, ao cansaço.
Fado-me, e falho, e falo nada.
Firo-me, agusto e cândido, no espaço,
nesse espaço-tempo que me escada.
Me espcapa, pelos dedos, a cinética
do perfeito movimento elaborado
para ser o movimento de estética
do penúltimo século passado.
Movimento literário de elite,
dessa estética-elite que é a nossa;
movimento pobre, escala triste,
que é a escala de seu ritmo: cinética-bossa.
Bossa-velha dos versos maltrapilhos
(bentrapilhos nus), versos alados,
voando no tempo-espaçonave - filhos
de um poeta nascido já enterrado.
Este poeta nascido assassinado.
Fado-me, e falho, e falo nada.
Firo-me, agusto e cândido, no espaço,
nesse espaço-tempo que me escada.
Me espcapa, pelos dedos, a cinética
do perfeito movimento elaborado
para ser o movimento de estética
do penúltimo século passado.
Movimento literário de elite,
dessa estética-elite que é a nossa;
movimento pobre, escala triste,
que é a escala de seu ritmo: cinética-bossa.
Bossa-velha dos versos maltrapilhos
(bentrapilhos nus), versos alados,
voando no tempo-espaçonave - filhos
de um poeta nascido já enterrado.
Este poeta nascido assassinado.
sábado, 22 de março de 2008
a metafísica do arco-íris
Existe qualquer coisa pulsante - tristemente pulsante - naquelas gotinhas milimétricas que ficam suspensas no ar e que constroem, sem saber, o arco-íris.
Porque delas brota a vida, o sonho humano, todas as possibilidades, todos os caminhos, a sinestesia, a dialética dos sentidos, a percepção mais aguda da existência, a consciência e a inconsciência, a poesia, o sobre-humano, o além, o infinito, as margens do Universo, o patético e solitário trono de Deus.
Porque delas brota o arco-íris, e dele brota a poesia.
Admirando os frutos do poema, eu, triste e calado, chego a pensar que as lágrimas de Deus não são as tempestades, os dilúvios, as distâncias transoceânicas. Chego a pensar que os cristais de seus olhos são as gotinhas milimétricas que ficam suspensar no ar e constroem, sem saber, o arco-íris, razão de ser e de viver, pétala esquecida, intermédio entre esse nosso mundo e o inefável mundo superior.
Porque delas brota a vida, o sonho humano, todas as possibilidades, todos os caminhos, a sinestesia, a dialética dos sentidos, a percepção mais aguda da existência, a consciência e a inconsciência, a poesia, o sobre-humano, o além, o infinito, as margens do Universo, o patético e solitário trono de Deus.
Porque delas brota o arco-íris, e dele brota a poesia.
Admirando os frutos do poema, eu, triste e calado, chego a pensar que as lágrimas de Deus não são as tempestades, os dilúvios, as distâncias transoceânicas. Chego a pensar que os cristais de seus olhos são as gotinhas milimétricas que ficam suspensar no ar e constroem, sem saber, o arco-íris, razão de ser e de viver, pétala esquecida, intermédio entre esse nosso mundo e o inefável mundo superior.
sexta-feira, 21 de março de 2008
quinta-feira, 20 de março de 2008
a flor
A cidade de cabeça para baixo. Espelho de todas as angústias, de todas as vontades. O caos explosivo, a bomba atômica urbana. E a flor decorrente de tudo.
A flor de tijolos sem reboco. A flor de ruelas apertadas de muito concreto cinza e terra. A flor sem cor. Tudo. É o pânico atômico às margens do rio-cidade. Uma linda flor que nasceu no meio da pedra sem vida, nasceu sem vida, sem história, sem lógica e sem filosofia. A linda flor que não nasceu, mas foi nascendo e está nascendo até hoje. É a fumaça asfixiante despetalada. Desesperada. O borbulhar fervente de pétalas soltas num caldeirão urbano. Cada pétala é uma flor, e cada flor é um jardim inumerável. E a matéria pontual, o átomo sem dimensão, a luz sem matéria iluminando e permeando tudo.
A poesia pura dessa flor. Poesia dura dessa flor. Poesia com fio de navalha, debaixo do sol, acima da terra de ninguém. A perfeita sintonia de idéias sem rima e sem métrica. A metáfora incômoda e a rima única e exata - flor com dor. A elipse imagética que oculta tudo sem vírgulas, mas sem deixar nada subentendido. À exceção óbvia do amor.
O amor não rima com a flor, mas está nela como sangue na veia: correndo, vital. O amor cortante e sujo, o amor sem beleza, cru, indesejável. O amor do vírus. O amor da barriga cheia. O amor precoce. Latente. Premente. Explosivo. É assim o amor que se esconde ali, quando a flor, tímida, murcha à ausência profunda de luz solar. O amor inconstante, imperceptível. Amor que vai à igreja e à praia. Amor nu e casto. Amor que desce junto com destroços de madeira e eletrodomésticos as enconstas da montanha quando chove (isto é amor inseguro). A feira e o tráfico de drogas. O som dos pregões e das metralhadoras. Amor. Pura poesia. Dura poesia.
Dura poesia que acorda antes do sol e desce para trabalhar. A flor refulgindo à luz do astro-rei tímido. A flor rompendo com culpa e preguiça. A flor se abrindo ao ritmo alucinante do dia na cidade. Cada gota de sangue. Cada vento oeste. Cada micro-flor corriqueira que se veste e some na imensidão urbana. A vasta sombra caótica, a sombra irremediável, a sombra à guisa de cela. Todos presos. Sem grades.
O neo-apartheid urbano. A raça nova sob a sombra da flor sem ideologia e sem esperanças. O mistério da vida dividido em dois lados. Cada lado dividido em dois lados. E o multisegregacionismo infinito e desigual, partido em mil lados. A flor fica com o menor deles. As novas tendências e os novos desafios. Os medos de sempre, espiando assustados das mesmas janelas sem grades.
O neo-realismo. Romance pálido e mil casinhas enfileiradas, mil homenzinhos enfileirados. Toda a estética útil e aproveitável, o plástico, o real osmótico da arte. Antenas de TV. Tijolos. Santinhos espalhados e vereadores corruptos e bem corados. O ato corriqueiro enfiado num saco preto, sob inenfáticos pelos-sinais. O saco de lixo. O exato saco de lixo nunca ambíguo. A flor eufemismo. A flor anarquismo.
A arte dessa flor. Ininteligível. Uma flor é uma flor é uma flor. Adaptações livres. Arte gravador. Arte baile funk. Arte ineditismo e incompreensão intelectualóide. A falsa aceitação da arte flor. As paredes feridas. As cores cortantes. As formas que não se encaixam. Mas se encaixam. Sempre se encaixam.
A flor nunca esteve aberta para o verdadeiro sol. A flor com seu miolo frio e escuro. Flor infértil - a própria negação da flor. A esterlidade daquelas terras, o sexo inútil, a perversidade e o caos total. O nunca desabrochar dessa flor em corpo. O fogo apagado. E as mulheres de olhos fechados lavando roupa e indo se lavar mais tarde. Sujeira acumulada na flor. No cerne profundo da flor.
Flor de Marx e de Drummond.
Flor da América e da África. Da Indo-China. De Massachussets.
Flor do Rio, cantada em verso, catada numa prosa perdida e muito triste. A flor dando autógrafo em Cannes, posando ao lado da estatueta. A flor celebridade em todas as primeiras páginas. Flor chacina. Flor atentado. Flor atenta em sua eterna vigília noturna. Fogos de artifício.
O turismo penalizado pelas entranhas da flor. Os flashes e as carteiras batidas. O olhar estrangeiro. Xenofobia invertida e pretos comendo ovos cozidos. O ritmo dissoluto. Tambores do meio-dia. Jardim sem flor.
A rainha das flores com seu manto verde-rosa sob o céu azul e branco. O Carnaval. A festa da flor. A festa da gente. Os sorrisos brancos. A flor aberta dançando até o romper do dia. O romper do dia. Sonho em sol. Flor.
A flor perdida no meio do nada. E todas as coisas que se abrem à luz do sol, mas não a flor. Os ratos urbanos, roendo a velha tecitura da cidade. A frágil trama da cidade ardendo sob o sol. A velocidade, o peso, a pressa. Os bueiros e os carros de polícia. Os quartos escuros e as avenidas beira-mar. Sobrados. E a flor imperando acima de tudo. A flor com seu olho que tudo vê, seu terceiro olho atento. A flor pura. Cega, surda, muda e sem coração.
Mas bate outra coisa no peito fundo da flor. Bate sem tempo. Bate insólita. Bate fundo no peito da flor. O silêncio que se curva a esta parca música. O céu que se fecha àquele compasso. Arrepio. Flor de pânico.
A flor. Fechada. Fachada. Flor sem entranhas. Perdida no caos da cidade. Flor universal de todos os ritmos, de todas as línguas da gente.
Flor.
Pura e terrível.
A flor afogada e morta no fluido urbano. Flor sem cor. Sem vida.
Flor favela - flor triste.
A flor de tijolos sem reboco. A flor de ruelas apertadas de muito concreto cinza e terra. A flor sem cor. Tudo. É o pânico atômico às margens do rio-cidade. Uma linda flor que nasceu no meio da pedra sem vida, nasceu sem vida, sem história, sem lógica e sem filosofia. A linda flor que não nasceu, mas foi nascendo e está nascendo até hoje. É a fumaça asfixiante despetalada. Desesperada. O borbulhar fervente de pétalas soltas num caldeirão urbano. Cada pétala é uma flor, e cada flor é um jardim inumerável. E a matéria pontual, o átomo sem dimensão, a luz sem matéria iluminando e permeando tudo.
A poesia pura dessa flor. Poesia dura dessa flor. Poesia com fio de navalha, debaixo do sol, acima da terra de ninguém. A perfeita sintonia de idéias sem rima e sem métrica. A metáfora incômoda e a rima única e exata - flor com dor. A elipse imagética que oculta tudo sem vírgulas, mas sem deixar nada subentendido. À exceção óbvia do amor.
O amor não rima com a flor, mas está nela como sangue na veia: correndo, vital. O amor cortante e sujo, o amor sem beleza, cru, indesejável. O amor do vírus. O amor da barriga cheia. O amor precoce. Latente. Premente. Explosivo. É assim o amor que se esconde ali, quando a flor, tímida, murcha à ausência profunda de luz solar. O amor inconstante, imperceptível. Amor que vai à igreja e à praia. Amor nu e casto. Amor que desce junto com destroços de madeira e eletrodomésticos as enconstas da montanha quando chove (isto é amor inseguro). A feira e o tráfico de drogas. O som dos pregões e das metralhadoras. Amor. Pura poesia. Dura poesia.
Dura poesia que acorda antes do sol e desce para trabalhar. A flor refulgindo à luz do astro-rei tímido. A flor rompendo com culpa e preguiça. A flor se abrindo ao ritmo alucinante do dia na cidade. Cada gota de sangue. Cada vento oeste. Cada micro-flor corriqueira que se veste e some na imensidão urbana. A vasta sombra caótica, a sombra irremediável, a sombra à guisa de cela. Todos presos. Sem grades.
O neo-apartheid urbano. A raça nova sob a sombra da flor sem ideologia e sem esperanças. O mistério da vida dividido em dois lados. Cada lado dividido em dois lados. E o multisegregacionismo infinito e desigual, partido em mil lados. A flor fica com o menor deles. As novas tendências e os novos desafios. Os medos de sempre, espiando assustados das mesmas janelas sem grades.
O neo-realismo. Romance pálido e mil casinhas enfileiradas, mil homenzinhos enfileirados. Toda a estética útil e aproveitável, o plástico, o real osmótico da arte. Antenas de TV. Tijolos. Santinhos espalhados e vereadores corruptos e bem corados. O ato corriqueiro enfiado num saco preto, sob inenfáticos pelos-sinais. O saco de lixo. O exato saco de lixo nunca ambíguo. A flor eufemismo. A flor anarquismo.
A arte dessa flor. Ininteligível. Uma flor é uma flor é uma flor. Adaptações livres. Arte gravador. Arte baile funk. Arte ineditismo e incompreensão intelectualóide. A falsa aceitação da arte flor. As paredes feridas. As cores cortantes. As formas que não se encaixam. Mas se encaixam. Sempre se encaixam.
A flor nunca esteve aberta para o verdadeiro sol. A flor com seu miolo frio e escuro. Flor infértil - a própria negação da flor. A esterlidade daquelas terras, o sexo inútil, a perversidade e o caos total. O nunca desabrochar dessa flor em corpo. O fogo apagado. E as mulheres de olhos fechados lavando roupa e indo se lavar mais tarde. Sujeira acumulada na flor. No cerne profundo da flor.
Flor de Marx e de Drummond.
Flor da América e da África. Da Indo-China. De Massachussets.
Flor do Rio, cantada em verso, catada numa prosa perdida e muito triste. A flor dando autógrafo em Cannes, posando ao lado da estatueta. A flor celebridade em todas as primeiras páginas. Flor chacina. Flor atentado. Flor atenta em sua eterna vigília noturna. Fogos de artifício.
O turismo penalizado pelas entranhas da flor. Os flashes e as carteiras batidas. O olhar estrangeiro. Xenofobia invertida e pretos comendo ovos cozidos. O ritmo dissoluto. Tambores do meio-dia. Jardim sem flor.
A rainha das flores com seu manto verde-rosa sob o céu azul e branco. O Carnaval. A festa da flor. A festa da gente. Os sorrisos brancos. A flor aberta dançando até o romper do dia. O romper do dia. Sonho em sol. Flor.
A flor perdida no meio do nada. E todas as coisas que se abrem à luz do sol, mas não a flor. Os ratos urbanos, roendo a velha tecitura da cidade. A frágil trama da cidade ardendo sob o sol. A velocidade, o peso, a pressa. Os bueiros e os carros de polícia. Os quartos escuros e as avenidas beira-mar. Sobrados. E a flor imperando acima de tudo. A flor com seu olho que tudo vê, seu terceiro olho atento. A flor pura. Cega, surda, muda e sem coração.
Mas bate outra coisa no peito fundo da flor. Bate sem tempo. Bate insólita. Bate fundo no peito da flor. O silêncio que se curva a esta parca música. O céu que se fecha àquele compasso. Arrepio. Flor de pânico.
A flor. Fechada. Fachada. Flor sem entranhas. Perdida no caos da cidade. Flor universal de todos os ritmos, de todas as línguas da gente.
Flor.
Pura e terrível.
A flor afogada e morta no fluido urbano. Flor sem cor. Sem vida.
Flor favela - flor triste.
quarta-feira, 19 de março de 2008
cotidiano
da bandeira do Dia,
que é a coragem que trazemos do Dia,
que é a dor
e a cura para a dor que buscamos no Dia,
construímos um poema:
ele é tão alto
que ultrapassa o mastro da bandeira,
ele é mais alto que o Dia.
sua poética tinge de azul o cume do céu.
levanta o Dia todo dia.
traz o Dia, novo, todo dia.
que é a coragem que trazemos do Dia,
que é a dor
e a cura para a dor que buscamos no Dia,
construímos um poema:
ele é tão alto
que ultrapassa o mastro da bandeira,
ele é mais alto que o Dia.
sua poética tinge de azul o cume do céu.
levanta o Dia todo dia.
traz o Dia, novo, todo dia.
terça-feira, 18 de março de 2008
sons do silêncio

Falta um esgar de choro, a simulação de um sentido, o rascunho de uma vontade, a luz fraca do desejo, da ardência, um pulsar ínfimo de vida, um sobressalto, um pré-sobressalto, o menor estímulo, o dente de uma risada, qualquer coisa que se sinta.
Falta abandonar esse comedimento que torna escassa a realidade; falta extrapolar o limite do possível e do impossível. Falta conquistar a natureza, repirar o vento, encostar o céu. Falta um suspiro, um sopro que espalhe essa latência falsa. Falta ser explícito, revelador, tocante.
Falta uma necessidade aflita e desesperada diante das coisas do mundo; falta abandonar o deslumbramento cego e intátil para partir em busca de uma essência participativa. Falta abrir os olhos, e não fechá-los, e não escondê-los, diante da inefável presença. Falta calcar as possibilidades no campo imprevisível do sonho, sem medo.
Falta uma dinâmica de asas, um movimento qualquer, uma inteligência, mas natural, para alçar vôos seguros sobre um mar aleatório e desconhecido. Falta uma criação, uma estética que seja desencavada dos confins mais antigos do Universo e mesmo assim traga o clarão mais inovador do sol. Falta uma vertente de qualquer coisa que troque a sobriedade dissimulada pela volúpia, pela tristeza sem nexo do sexo.
Falta embriagar-se de desejo, porque somente o desejo desenha os movimentos e traça as órbitas humanas, porque o único combustível verdadeiro está no encontro, na carne, no toque, porque o desejo é o fogo esclarecedor e estarrecedor. Falta recusar-se a se algemar nessa liberdade podre e pobre que pretende mover, através de estúpidas catarses ensaiadas, os povos através dos tempos e dos espaços; falta embebedar-se no éter e no etéreo sem estar atrás da epifania-modelo que só revela o velho. Falta embebedar-se e um dia vir a se deparar, sem saber, sem querer, com a verdadeira epifania - essa sem cunho espiritualóide, sem sentimentalismo, sem corpo para almas de outros mundos ou de outras vidas - uma epifania com espaço somente para o nosso corpo, a revelação do nosso corpo, da carne, do sangue, do músculo, da pele e da cor.
Falta um despudoramento da matéria com inteligência, e da essência.
Somente uma virtude gravita entre o bem e o mal, somente um sentido permeia a humanidade e é puramente humano, e não está no espírito ou na mente, somente um estalo diferencia todos os outros sons do silêncio.
sábado, 15 de março de 2008
Jornada
Eis o que faço, então meu ofício;
eis o que fiz e o que ainda faço.
(Farei não digo, pois, eis que, omisso,
omito o fato que antecede o fato.)
Fazer, pois, torna-se o que faço
e torna o que faço em sacrifício,
pois quanto mais eu faça, e eu muito faço,
tanto mais pra sempre é meu ofício.
Tirar do ato vulgar o suprimento
para meu eterno ofício, então salário;
tirar mesmo da dor, do sofrimento
matéria que se use no trabalho;
e tirada esta matéria, e lapidada,
tornar matéria-prima o ordinário.
Consiste o meu ofício neste ato,
de estar sempre fazendo, e mesmo o dia
que faz, ensolarado, eu que faço,
com a paciência de quem recebe por dia.
Eis o que faço - meu ofício, meu trabalho:
este pra sempre fazer - fazer poesia.
eis o que fiz e o que ainda faço.
(Farei não digo, pois, eis que, omisso,
omito o fato que antecede o fato.)
Fazer, pois, torna-se o que faço
e torna o que faço em sacrifício,
pois quanto mais eu faça, e eu muito faço,
tanto mais pra sempre é meu ofício.
Tirar do ato vulgar o suprimento
para meu eterno ofício, então salário;
tirar mesmo da dor, do sofrimento
matéria que se use no trabalho;
e tirada esta matéria, e lapidada,
tornar matéria-prima o ordinário.
Consiste o meu ofício neste ato,
de estar sempre fazendo, e mesmo o dia
que faz, ensolarado, eu que faço,
com a paciência de quem recebe por dia.
Eis o que faço - meu ofício, meu trabalho:
este pra sempre fazer - fazer poesia.
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